Em 1936, poucos anos antes de morrer, o que se efetivou em 1939, Freud homenageia Romain Rolland com um texto intitulado Um distúrbio de Memória na Acrópole. Nele, narra e analisa seu mal-estar quando a caminho de Atenas e sua experiência de incredulidade ao, lá chegando, contemplar a Acrópole. Diz ter sido tomado por uma vivência de despersonalização e desrealização cuja interpretação, realizada ao longo texto, remete a sua conflituosa relação com seu pai. Mas não entremos nos detalhes da análise do conteúdo desse texto-testamento, mas de uma meta-análise de seu conteúdo: Freud, se despedindo da vida, colocando-se como alguém cuja capacidade de produção está no fim, mostra-se, sem hesitação, produzindo e expondo sua autoanálise. Portanto, aos 80 anos, já quase moribundo, não titubeia em manter-se em formação, em conjugar o tempo de formação do analista no gerúndio. Ele não diz, ele mostra o ato que faz um analista: a inquietação contínua com sua própria analise e a permanente formalização de um saber teórico- clínico. Longe de tais parâmetros não há um analista, mas uma caricatura de analista, e, muitas vezes, até uma aberração.
O Traço Freudiano Veredas Lacanianas Escola de Psicanálise, ao assumir e um verdadeiro compromisso com ato analítico, se coloca o dilema que podemos e devemos abstrair do texto freudiano: propiciar a formação analítica ou sua caricatura-aberração? A história do movimento psicanalítico mostra que tal questionamento deve ser permanente, pois, não raro, pendulamos entre as duas possibilidades e, mais ou menos, nos fixamos no polo da aberração-caricatura, por isso, perguntar é preciso, responder não é preciso. Um dilema não é para ser respondido, mas colocado, sempre. E uma vez colocado, surge a possibilidade de emergência de um saber, ainda que jamais definitivo. Lacan, no conjunto dos seus seminários, escritos e prática clínica, denunciou e agiu na perspectiva de formalizar não um modelo, um programa, mas uma proposição que sustenta-se uma formalização nos moldes freudianos, uma formação analítica. Tentativas eficazes? A história mostra que nem tanto. E por tal: desistir? Supomos que não, sendo necessário, sempre, resistir à resistência que sutilmente se entranha na nossa formação, levando-nos a assumir, alienadamente, as vestimentas de uma formação caricata e aberrante. O Traço Freudiano, pelas vias da Vereda Lacaniana, se coloca em busca de ser uma Escola que não se perca da Psicanálise. Sempre há o risco, mas, para aqueles que querem se aventurar, ficam as boas vindas.
Carlos Alberto Domingues do Nascimento, coordenador geral, ano 2017.